A câmara de Ouro Preto decreta:
Art 1°- Dispõe sobre a proibição de homenagens a escravocratas e ao Golpe Militar que sofreu o Brasil em 1964 e ao período de ditadura subsequente ao golpe no âmbito da administração direta e indireta no Município de Ouro Preto.
I- Fica proibido atribuir a prédios, rodovias, repartições públicas e bens de qualquer natureza pertencentes ou sob gestão da Administração Pública Municipal direta ou indireta, nome de pessoa que esteja ligado ao exercício da prática escravista.
II- Fica proibido atribuir a prédios, rodovias, repartições públicas e bens de qualquer natureza pertencentes ou sob gestão da Administração Pública Municipal direta ou indireta, nome de pessoa que conste no Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade de que trata a Lei Federal n° 12.528/2011 como responsável por violações de direitos humanos, assim como agente público, ocupante de cargo de direção, chefia, assessoramento ou assemelhados e pessoas que notoriamente tenham praticado ou pactuado, direta ou indiretamente, com violações de direitos humanos durante o período da ditadura militar.
& 1°- Para efeito dessa Lei, consideram-se escravocratas os agentes sociais indivíduais ou coletivos detentores ou defensores da ordem escravista no Brasil.
& 2°- Incluem-se na vedação do deste artigo a denominação de logradouros públicos, de prédios municipais, rodovias municipais, locais públicos municipais, a edificação e instalação de bustos, estátuas e monumentos por qualquer dos Poderes no âmbito o Município de Ouro Preto.
Art 2°- A vedação que dispõe esta Lei se estende também a pessoas que trnham sido condenadas com sentença transitadas em julgado pela prática de crimes contra a humanidade, aos direitos humanos e exploração do trabalho escravo, racismo e injúria racial.
Art 3°- As homenagens concedidas por qualquer dos Poderes no âmbito do Município de Ouro Preto atenderá a critérios de proporcionalidade em relação à diversificação de cor, sexo e orientação sexual.
Art 4°- Os prédios municipais, locais públicos municipais, rodovias municipais cujos nomes sejam homenagens a escravocratas, eventos históricos ligados ao exercício da prática escravista ou condenados por crimes contra a humanidade poderão ser renomeados a contar a data de publicação desta Lei.
Parágrafo único- A determinação do caput não se aplica a esculturas ou obras de arte que não enaltecem nem exaltam a mémoria do homenageado ou, quando ocorram razões de ordem artística, arquitetônica ou artístico-religiosa para sua manutenção,
Art 5°- Fica autorizado o poder executivo a retirar das vias públicas os monumentos públicos, estátuas e bustos que já prestam homenagem a escravocratas, a eventos históricos ligados a prática escravocrata ou crimes praticados contra humanidade, podendo serem retirados de vias públicas e armazenados nos Museus Estaduais ou Municipais, para fins de preservação do Patrimônio Histórico do Município.
Parágrafo Único- Os monumentos políticos, estátuas e bustos retirados e armazenados nos museus estaduais ou municipais deverão ser identificados com informações referentes ao período escravista ou crimes praticados contra a humanidade.
Art 6°- O Municiípio de Ouro Preto criará uma comissão permanente, composta pelos poderes legislativo e executivobem como pela sociedade civil organizada, para realizar a análise consubstanciada das nomeações dos prédios públicos, áreas públicas e rodovias estaduais, monumentos, estátuas e bustos pertencentes ao Município.
& 1°- Prioritariamente, a comissão deve ser composta por órgãos, grupos de trabalho e representantes que atuam com a temática das relações raciais, história da escravidão, promoção da igualdade racial, enfrentamento ao racismo e patrimônio público.
& 2°- A comissão produzirá parecer consubstanciado sobre todos os bens públicos analisados, com recomendação de alteração de nome, ou retirada do bem.
& 3°- Os relátorios serão publicados em meio eletrônico.
Art 7°- As despesas decorrentes da execução desta Lei correrão à conta de dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.
Art 8°- O Executivo regulamentará essa Lei, no que couber, em caráter de urgência.
Art 9°- Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Justificativa
Os monumentos são materiais da memória coletiva. De forma que, eles são utilizados para documentar o passado das sociedades e povos. A História oficial do Estado Brasileiro ainda reproduz narrativas que excluem as experiências das populações negras e indígenas. Empecilho que cria barreiras para efetivação plena da democracia.Há tempos, o movimento negro brasileiro sinaliza a necessidade de mudanças nas formas de narrar a História do Brasil. O acúmulo desse debate, levou à criação das leis 10.639/2003 e 11.645/2008. Esses dispositivos jurídicos determinam a obrigatoriedade do ensino da História e da cultura afrobrasileira e indígena. Ações que têm impactado o debate público sobre raça, racialização e racismo. A busca pela descolonização da produção do conhecimento histórico visa explicitar as relações de poder que envolvem os critérios de seleção do conjunto das memórias coletivas. No período da escravidão, o Brasil recebeu 46% de todo o contingente de africanos escravizados e, hoje, é o país com a maior concentração de negrxs no continente americano. População que, ainda, não se vê representada na História oficial.
O Brasil é signatário de diversos tratados e acordos que visam o combate ao racismo, como o Plano de Ação da Conferência Mundial de Durban Contra o Racismo, a Xenofobia e Intolerância e a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial que, em seu artigo 2° orienta:Os Estados-partes condenam a discriminação racial e comprometem-se a adotar, por todos os meios apropriados e sem dilações, uma política destinada a eliminar a discriminação racial em todas as suas formas e a encorajar a promoção de entendimento entre todas as raças, [...].O documento enfatiza, ainda, que: que o município parte deverá tomar todas as medidas apropriadas, inclusive, se as circunstâncias o exigirem, medidas de natureza legislativa, para proibir e pôr fim à discriminação racial praticada por quaisquer pessoas, grupo ou organização.
Nesse sentido, em 2014, a OAB criou a Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra no Brasil. O grupo de trabalho tinha como funções o resgate histórico desse período, a aferição de responsabilidades e a demonstração da importância das ações de afirmação como meio de reparação à população negra. Dentre as propostas apresentadas, foi ressaltada a necessidade de rever ações promovidas pelo poder público que exaltava o período escravocrata e o reconhecimento da escravidão no Brasil como um crime contra a humanidade.
Além disso, vale destacar a vigência da Década Internacional de Afrodescendentes (2015-2024) que visa garantir justiça, reconhecimento e desenvolvimento para a comunidade negra. Compromisso assumido pelo Estado Brasileiro perante a comunidade internacional.
Recentemente, manifestações antirracistas espalham-se pelo mundo, reivindicando a realização plena da cidadania negra em diversos aspectos, após o assassinato do trabalhador negro estadunidense George Floyd. Esse movimento retomou debates importantes e trouxe para a pauta de governos e instituições públicas a necessidade de reavaliação das maneiras de se narrar a História dos Estados Nacionais. Em diversos lugares, esses ativistas negros reivindicam a retirada de estátuas e a mudança do nome de ruas que fazem homenagens aos agentes responsáveis pelo tráfico de escravos, pela elaboração das teorias raciais, entre outros protagonistas centrais da História da escravidão e do racismo no mundo atlântico. Exigências antigas, mas que ainda não tiveram a visibilidade e o tratamento necessário pelas autoridades públicas.
Sendo assim, a exemplo de outras localidades, as instituições brasileiras devem rever os seus princípios éticos no que diz respeito às políticas de combate ao racismo e à reparação histórica da população negra brasileira. O direito à História e o direito à memória são questões urgentes a serem efetivadas. E, a exemplo do que foi feito em Barcelona no ano de 2018, nas cidades de Bristol, Londres (Inglaterra) e Guarujá no ano de 2020, o governo do Estado de São Paulo deve reconhecer a violência representada por esses símbolos e reavaliar a necessidade da permanência desses monumentos e edificações nos espaços públicos.Nesse sentido apresentamos o projeto de lei, que visa proibir homenagens a escravocratas e eventos históricos ligados ao exercício da prática escravista, no âmbito da Administração Pública direta e indireta. Coibir homenagens a esses agentes sociais no âmbito da Administração Municipal direta e indireta visa também garantir o que está previsto no Estatuto da Igualdade Racial, lei federal nº 12288/2010. Marco jurídico destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos, o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica que, em seu artigo terceiro, diz:Art. 3o - Além das normas constitucionais relativas aos princípios fundamentais, aos direitos e garantias fundamentais e aos direitos sociais, econômicos e culturais, o Estatuto da Igualdade Racial adota como diretriz político-jurídica a inclusão das vítimas de desigualdade étnico-racial, a valorização da igualdade étnica e o fortalecimento da identidade nacional brasileira.Compreendemos que atenta a ordem jurídica vigente, quando a administração pública não se propõe a rever seus atos e permanece promovendo ações que afrontam o princípio da moralidade , ao utilizar recursos públicos para promover a apologia de práticas que ferem a dignidade humana. No Estado Democrático de Direito, a república federativa do Brasil ,tem como fundamento a dignidade da pessoa humana tendo como objetivo fundamental a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e sem racismo.Sendo assim, esse projeto de lei tem como objetivo a garantia de um direito difuso e coletivo, que afeta toda a sociedade.
Cabe mencionar o Decreto Federal nº 7.037/2009 que estabelece o Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH-3 no eixo Orientador VI que trata sobre o Direito à Memoria e à Verdade ,apresenta as seguintes diretrizes : a) Diretriz 23: Reconhecimento da memória e da verdade como Direito Humano da cidadania e dever do Estado; c) Diretriz 25: Modernização da legislação relacionada com promoção do direito à memória e à verdade, fortalecendo a democracia. Neste sentido, a presente propositura visa contribuir para a modernização da legislação estadual com foco na promoção da igualdade racial e no enfrentamento ao racismo, orientando a poder público o enfrentamento ao racismo institucional.