Câmara Municipal de Ouro Preto decreta:
Art. 1° - Fica vedada a nomeação, no âmbito da Administração pública direta e indireta do Município de Ouro Preto, de pessoas que tiverem sido condenadas nas condições previstas na Lei Federal n° 7.716/1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.
Parágrafo Único - Inicia essa vedação com a condenação em decisão transitada em julgado, até o comprovado cumprimento da pena.
Art. 2° - A proibição estabelecida no artigo 1° aplica-se a todas esferas do serviço público, incluindo cargos efetivos e em comissão de livre nomeação e exoneração.
Art. 3° - O descumprimento das disposições desta Lei implicará em medidas administrativas, podendo ser aplicadas advertências, multas ou até mesmo a exoneração do cargo público ocupado indevidamente.
Art. 4° - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Ouro Preto, 12 de Abril de 2023.
JUSTIFICATIVA
O presente projeto de lei tem como objetivo fortalecer os fundamentos da igualdade, justiça e respeito à diversidade no contexto dos cargos públicos, integrando o princípio da moralidade como base central para as nomeações no serviço público.
O crime de racismo, por atentar contra a dignidade e igualdade de todos os cidadãos, não pode coexistir com o exercício de funções públicas de forma proba e moral. A Constituição Federal estabelece a moralidade como um dos princípios norteadores da administração pública¹, exigindo conduta ética e íntegra por parte de seus agentes. Sobre esse tema, José Carvalho dos Santos Filho² sustenta:
"O princípio da moralidade impõe que o administrador público não
dispense os preceitos éticos que devem estar presentes em sua
conduta. Deve não só averiguar os critérios de conveniência,
oportunidade e justiça em suas ações, mas também distinguir o que é
honesto do que é desonesto. "
Ressalta-se que o princípio da moralidade está intrinsecamente vinculado à noção de probidade. Dessa maneira, a conduta do administrador público em desrespeito a esse princípio configura-se como ato de improbidade, sujeitando-o às sanções estabelecidas no § 4° do artigo 37 da Constituição Federal de 1988 e na Lei Federal n° 8.429/92.
Ademais, reconhecendo a importância do serviço público como instrumento de transformação social, é imperativo assegurar que os ocupantes de cargos públicos estejam alinhados com os valores constitucionais e éticos, contribuindo para a construção de uma sociedade justa e sem discriminações. Os cargos públicos exercem influência significativa na formulação e implementação de políticas, sendo crucial que esses espaços sejam ocupados por pessoas comprometidas com a promoção da diversidade e o combate ao racismo.
Cumpre destacar que o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), reconheceu a constitucionalidade de lei municipal que impede a administração pública de nomear pessoas condenadas pela lei Maria da Penha (Lei Federal n°11.340/06) para cargos públicos. Tal entendimento foi apresentado no bojo do Recurso Extraordinário n° 1.308.883. Aqui, reportamo-nos aos fundamentos esposados pelo ilustre Ministro Fachin, que também se aplicam ao caso, in verbis:
¹ Constituição da República. Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...);
² Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2015. Página 22.
"Na verdade, ao vedara nomeação de agentes públicos, no âmbito da
Administração Direta e Indireta do município, condenados nos termos
da Lei federal n° 11.340/2006, a norma impugnada impôs regra geral
de moralidade administrativa, visando dar concretude aos princípios
elencados no caput do art. 37 da Constituição Federal, cuja aplicação
independem de lei em sentido estrito e não se submetem a uma
interpretação restritiva.
Destaco que quando do julgamento do RE 570.392, Rel. Ministra
Cármen Lúcia, Pleno, DJe 18.02.2015, Tema 29 da Repercussão
Geral, o Tribunal assentou a tese de que não é privativa do Chefe do
Poder Executivo a competência para a iniciativa legislativa de lei sobre
nepotismo na Administração Pública: leis com esse conteúdo
normativo dão concretude aos princípios da moralidade e da
impessoalidade do art. 37, caput, da Constituição da República, que,
ademais, têm aplicabilidade imediata, ou seja, independente de lei".³
Em suma, este Projeto de Lei busca fortalecer os alicerces de uma sociedade mais justa e igualitária, reafirmando o compromisso município de Ouro Preto na construção de um ambiente que respeite e valorize a diversidade, combatendo efetivamente todas as formas de discriminação racial.
Ademais, é crucial ressaltar que a imposição de condições para o provimento de cargos públicos difere substancialmente da estipulação de requisitos para tal provimento, distinção essa estabelecida pela jurisprudência do STF 4. Dessa forma, a restrição proposta por este projeto de lei diz respeito à proibição da nomeação para cargos públicos, uma ação que precede a posse, e, portanto, não se confunde com o regime jurídico do servidor público, não estando incluída na iniciativa legislativa reservada ao Executivo.
Sobre o tema, a ratio decidendi do julgamento do supracitado RE 570.3925, de Relatoria da Ministra Cármen Lúcia, referente ao Tema 29 de Repercussão Geral, no qual o STF havia assentado a tese de que não é privativa do Chefe do Poder Executivo a competência para a iniciativa de lei sobre nepotismo na Administração Pública, sobre o argumento de que leis com esse conteúdo normativo dão concretude aos princípios da moralidade e da impessoalidade do art. 37, caput, da Constituição Federal, que, ademais, têm aplicabilidade imediata — ou seja, independem de lei ou regulamentação para produzir efeitos integrais e imediatos. Veja-se, nesse sentido, o trecho do voto mencionado:
³ STF. RE: 1308883. Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Julgamento: 07/04/2021. Publicação:13/04/2021.
4 RE 570392, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 11-12-2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-032 DIVULG 18-02-2015 PUBLIC 19-02-2015;
"Se os princípios do art. 37, caput, da Constituição da República
sequer precisam de lei para serem obrigatoriamente observados, não
há vício de iniciativa legislativa em norma editada com o objetivo
de dar eficácia específica àqueles princípios e estabelecer casos
nos quais, inquestionavelmente, configurariam comportamentos
administrativamente imorais ou não-isonômicos".
Demais disso, também enfatizar que a proposição também já tem precedentes legislativos, para além da jurisprudência do STF. É o que se verifica, por exemplo da Lei Estadual n° 10.1556, de 24 de outubro de 2023, do Estado de Rio de Janeiro que veda a nomeação, para todos os cargos em comissão de livre nomeação e exoneração, de pessoas que tiverem sido condenadas nas condições previstas na Lei Federal n° 7.716/1989, sendo esta norma oriunda de Projeto de Lei de iniciativa parlamentar (PL 336/2023).
Por fim, é importante destacar que a vedação ora proposta de nomeação deve se dar apenas enquanto durarem os efeitos da condenação criminal transitada em julgado do indivíduo, lapso temporal em que há suspensão dos direitos políticos, nos termos do art. 15, inc. III, da Constituição Federal, evitando assim penas ou sanções de caráter perpetuo, como previsto no art. 5°, inc. XLVII, da Constituição Federal.
Ante todo o exposto, é proposto este Projeto de Lei para o qual requeiro apoio das Vereadoras e dos Vereadores desta Câmara Municipal, pelas razões acima apresentadas.
5 Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. LEI PROIBITIVA DE NEPOTISMO. VÍCIO FORMAL DE INICIATIVA LEGISLATIVA: INEXISTÊNCIA. NORMA COERENTE COM OS PRINCIPIOS DO ART. 37, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. (...) 2. Não é privativa do Chefe do Poder Executivo a competência para a iniciativa legislativa de lei sobre nepotismo na Administração Pública: leis com esse conteúdo normativo dão concretude aos princípios da moralidade e da impessoalidade do art. 37, caput, da Constituição da República, que, ademais, têm aplicabilidade imediata, ou seja, independente de lei. Precedentes. Súmula Vinculante n. 13. 3. Recurso extraordinário provido. (RE 570392, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 11-12-2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-032 DIVULG 18-02-2015 PUBLIC 19-02-2015)